sexta-feira, janeiro 29, 2010

Debaixo do Bulcão poezine - a próxima edição é em Março!

A próxima edição em papel será a número 37. Está agendada para Março de 2010. Ficamos a aguardar as vossas colaborações (poesia ou textos curtos em prosa), que podem ser enviadas desde já para debaixodobulcao@netcabo.pt.

sábado, janeiro 23, 2010

Contra Corrente - um novo site de poesia!

«Contra-Corrente é uma publicação online gratuita, sem fins lucrativos, dirigido ao público leitor de poesia e prosa. Este projecto dedicado à palavra, tem como propósito dar voz aos poetas, aos escreventes, aos coleccionadores de palavras, desconhecidos do universo literário. A Revista propõe-se divulgar eventos culturais, música e outros assuntos que se achem pertinentes. Trata-se de um projecto aberto à colaboração. A primeira edição da revista está prevista para o segundo trimestre de 2010.»

Consulte as condições de participação no site
http://contracorrente.pt.vu/

(Informação recebida via Facebook)

segunda-feira, janeiro 18, 2010

A cidade é um chão de palavras pisadas




A cidade é um chão de palavras pisadas
a palavra criança a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo.

A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa
A cidade é um poro um corpo que transpira
pela palavra sangue pela palavra ira.

A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.

A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.
A palavra silêncio é uma rosa chá.
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há.



José Carlos Ary dos Santos

em
http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/ary.dos.santos.html

Sobre o autor:
José Carlos Ary dos Santos era filho do médico Carlos Ary dos Santos e de Maria Bárbara de Miranda e Castro Pereira da Silva. Nasceu na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, a 07 de Dezembro de 1936 e faleceu a 18 de Janeiro de 1984 na mesma cidade.
Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ary_dos_Santos

domingo, janeiro 17, 2010

Bocage in Almada


elmano sadino poeta libertino
veio à procura de drogas & rock and roll
e ver se as águas do tejo são mesmo radioactivas
e porque é que não conseguimos cair do cristorei.
veio à procura de sexo e cerveja
e os golfinhos não esquecer os golfinhos
que na sua terra não se comem: são roazes
e há moscatel e choco frito e a interminável chatice.
por isso elmano sadino poeta libertino
veio conhecer a urbe dos psicotrópicos e da violência
das caixas de multibanco e das seringas
pois na sua terra não existe nada disso
and that's boring.


António Vitorino

Debaixo do Bulcão poezine
Número 16 - Almada, Janeiro de 2002

terça-feira, janeiro 12, 2010


um poema feito em computador
directamente no ecran do computador
(isso não existe. antes escreveste
no teclado do computador)
não existe. se existe
não pode ser poema
propriamente. será
o que estiveres a sentir.

até podes ser tu.
mas nunca és tu.

o único poema
o verdadeiro único poema
é o que corre dentro de ti.
é o teu sangue
e isso não consegues entender.

explica lá isso ao computador. (ao sangue do computador)

explica lá isso a ti próprio.

explica-te a ti próprio.

explica.

te.


Baltasar Mingo

Debaixo do Bulcão poezine
Número 16 - Almada, Janeiro de 2002

domingo, janeiro 10, 2010

estado (s) de alma

Não sei se gostas de teatro ou de cinema
De Poesia ou de Drama
Não sei se gostas de ler ou ouvir música
Do azul ou do vermelho
Da seda ou do algodão
Não sei se gostas de Sol ou de chuva
Da Primavera ou do Outono
Do mar ou do campo
Não sei se gostas dos Rolling Stones ou do Frank Zappa
Do branco ou do preto
Não sei se gostas de cães ou de gatos
De ouro ou de prata
De pérolas ou de diamantes
Não sei se gostas de Salsa ou de Tango
De andar de avião ou de barco
Não sei se gostas de cravos ou de tulipas
De dança clássica ou de moderna
De pintura ou de escultura
De Picasso ou de Rodin
Não sei se gostas de mim ou de outro
Se me conheces ou se me reconheces

Não tenho desculpa para tanto desconhecimento
Não encontro desculpas para tanto desconhecimento

Sei isso sim do que eu gosto
Dos teus cabelos e dos teus lábios
Do teu sorriso e da tua voz

E porque tenho sempre a liberdade de sonhar
Ninguém pode proibir-me de te amar

Alma de(a) 10 Julho 1998


António Marques


Debaixo do Bulcão poezine
Número 12 - Almada, Janeiro 1999

quinta-feira, janeiro 07, 2010

Álvaro Valente o Homem e a Obra: novo livro de Artur Vaz

Com lançamento marcado para 31 de Janeiro, Artur Vaz vai lançar a biografia de Álvaro Valente, personalidade interventora na vida cívica montijense, nomeadamente na primeira metade do século XX, numa edição da Câmara Municipal do Montijo.
Farmacêutico de profissão, republicano de ideário político, Álvaro Valente distinguiu-se, também, como fluente orador. Maior notabilidade local e nacional alcançou a partir da década 30 do século XX, quando se entrosou com a causa dos bombeiros voluntários, primeiro na Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Montijo, de que foi comandante (a partir de Janeiro de 1931), depois, ampliando a sua intervenção no aparecimento da Liga dos Bombeiros Portugueses.

É dele a autoria do lema Vida Por Vida, hoje o ex-líbris do ideário de todos os “soldados da paz”.

Este trabalho histórico, para além de preservar a memória colectiva do Montijo, entronca também pedaços e factos inéditos da história local de Pinhal Novo, Estremoz e outros lugares como: Almada, onde encetou várias palestras, sendo ainda autor do poema do seu hino municipal, musicalizado pelo célebre maestro Leonel Duarte Ferreira e da obra poética em onze cantos Um Hino a Almada, raridade bibliográfica.

Tem prefácio do professor universitário e historiador Dr. Luís Graça, que diz a dado passo: “um diligente trabalho de pesquisa, sobretudo a nível da documentação provante, escorado em adequada bibliografia e honesta exposição. Mais uma obra para a galeria da bibliografia montijense, a reforçar os valores de uma identidade local, pois o seu autor é um investigador prestigiado pelos trabalhos a que mete ombros, fundamentais para o entendimento das origens destas terras da margem sul do Tejo”.

sábado, janeiro 02, 2010

Insónia



Após o tempo aquático quando a chuva vela, vem então pela janela do meu quarto uma frescura nocturna, como se as horas condensassem todas as brisas do dia, num polvilhar repentino de luzes quietas e nítidas de um branco amarelado, ao fundo quase vermelho, testemunhas mudas do ruído, ao longe, dos veículos dispersos. Pela rua, onde tudo dorme alheio e igual, um silêncio móvel e vibrente torna agradáveis as árvores estáticas e as janelas envidraçadas no dormente pálido do ar. É de facto a noite, luzindo misteriosa, trazendo nos seus dedos vastos e antiquíssimos, um não sei quê de amargura e de alegria. Perdi o sono, lá para trás entre tantas ruelas difusas de multidão, e escrevo sem sonhar, companheiro anónimo do luar no lago da noite, esfarelando o tempo entre os dedos ávidos de sonho, olhando indiferente as migalhas do tédio em que a minha consciência se abandona.

No grande claustro deste mundo sossegado, o pórtico rendilhado das sensações abre o seu sorriso estelar, ao fim das lajes da procura, para outra sala abobadada. No prédio em frente, incadeado pela luz pérola de um grande candeeiro tricéfalo, um morador tardio aproxima-se do vidro baço da porta, preparando-se para subir. Os outros caem no esquecimento momentâneo da vida, até projectarem os punhos amarrotados e dançantes numa curva rápida a caminho da sua inércia primitiva.

De repente, tudo é morto, pavorosamente apodrecido pelo espasmo absurdo das coisas. Tudo é o mesmo igual, grande jazigo de vidro onde repousam os gestos diluídos e abstractos. E é, como um grande palácio de Tsarkoie de cartas de jogar, varrido ocamente pelo vento, metáfora inútil à luz submersa das cúpulas, derretidas sob o meu olhar demorado e vazante de tudo ser assim.

Antigamente, eu brincava no patamar recôndito daquele sétimo andar, onde a grande varanda traseira boiava ao luar real, concentrando nos meus olhos indagantes de criança. Parava, com as mãos rodopiantes, a pequena bola colorida e transparente, e olhava o escuro suspenso sobre o mural laranja, gozando a impressão dormente de ser uma estrela. Vivia assim o meu sonho secreto e a noite era límpida ao olhar-me através dos seus cabelos envolventes. E eu ficava, sentado contra a parede ao pé da porta, a luzir nos seus olhos misteriosos, como uma anémona arrancada ao fundo invisível do mar.

Antigamente, o vasto e morno real dos desertos perdidos, onde os meus passos se trocaram para este caminhar insubmisso pelas fragas da memória, onde as rochas dilatam fundas formas surreais, como chamas de pedra prolongando os olhos fossilizados para este lado da vida. E o que sou por fora, são essas ruínas arquétipos do antigamente, dispersas pela floresta de chuva dorecordar. E o que sou por dentro, descolora-se no sorriso cúmplice do maquinista da locomotiva velha em cima do móvel, partida da gare do ontem, entre as ervas velhas da linha de ferro, para a cúpula da chegada do futuro, onde não sei quem era, e minto quem não sei ao certo se fui eu.

E esta noite vegetativa, segredo vácuo e caminhante pelo rolo dos tempos, e a grande inércia indecisa que chega dos quatro cantos do quarto, são grandes esferas de silêncio com árvores e luzes lá dentro, recolhidas pela rua deserta até ao ponto de alguma espécie de infinito oculto para a paisagem.

Ontens, hoje, horas, noite, pequenas secretas brincadeiras felizes de terem sido, espuma no espaço, que se dissolve na percepção de terem sido notadas. Caixa de vidro rachado das nevralgias possíveis, traço rápido dos faróis diagonais e vastos no negro modular de tudo, onde eu, por um acontecimento casual da vida, mergulho recolhido a um canto, como um esquecido frasco vazio...

Quem me olho? Que sinto? Tudo dorme como um grande lago estagnado...


António José Coutinho

Debaixo do Bulcão poezine
Número 12 - Almada, Janeiro de 1999