terça-feira, abril 28, 2009

Pergunta infantil



será verdade que qualquer casinha de chocolate
esconde sempre uma bruxa má?

será que existem bruxas boas
que não se escondem dentro de casinhas
de chocolate?


António Vitorino
(Setúbal, Novembro 1998.)

Debaixo do Bulcão poezine
Número 14 - Almada/Setúbal, Março 2001

A bruxa de chocolate


Era uma vez uma casinha de chocolate no meio do bosque, nessa casa vivia uma bruxa castanha, que adorava o disparate. Punha os copos no fogão, as panelas na banheira, os sapatos nas gavetas, as meias na frigideira e escrevia com fios de água; dormia sempre em pé, cozinhava na cama e comia no bidé.
Um dia ela foi à cidade visitar uma amiga e pedir-lhe cacau. Encontrou um porco e o porco disse que se ela fosse pelo caminho da esquerda encontrava um lobo, e se fosse pelo caminho da direita encontrava um gnomo. Mas como ela adorava o disparate foi pelo caminho da esquerda, só que o lobo era bom, o lobo disse à bruxa que estava a chegar o autocarro para a cidade de Lisboa, mas ela queria ir para Sesimbra, visitar a sua amiga Gertrudes Fonseca. Depois foi a pé atá à casa da amiga. Então quando ela chegou abriu a porta de casa, e não estava lá ninguém. Ela pensou um pouco, então foi à escola, onde a sua amiga trabalhava. A bruxa pediu uma informação ao Sr. João, que trabalhava na Escola Básica 2/3 Prof. Inventão Soromenho e disseram que ela estava a dar aulas ao 5ºZ na sala 0, só que não podia entrar. Depois no intervalo pediu-lhe um saco de cacau e fez um chocolate muito grande. Depois pôs o seu grande chocolate num canhão, disparou o chocolate e Sesimbra ficou cheia de Chocolate! E todas as pessoas ficaram felizes graças à bruxa do chocolate que adorava o DISPARATE!


Gabriel da Silva
Raquel M. Branco

Texto concorrente ao
Menção Honrosa (prosa) escalão B

sábado, abril 25, 2009


(Cartaz comemorativo do 5º aniversário da Revolução dos Cravos.
Edição da Comissão Organizadora das Comemorações do 25 de Abril, Dia da Liberdade - 1979)

sexta-feira, abril 24, 2009

Os malefícios da propriedade privada



Inda ontem estava ali uma tabuleta
Que dizia "poribido tirar água".
Agora já não está,
Porque esta manhã o compadre Manel
Deu com ela na cabeça do compadre Armindo
E mandou-o para o jardim das tabuletas.
Mas também a culpa não foi do compadre Manel.
A culpa foi do compadre Armindo
Que já lá está.
Ora, quem mandou o compadre Armindo
Ateimar que o poço era dele
Quando toda a gente sabe
Que o poço é do compadre Manel?
E ainda se aquela água
Fosse boa para beber...
Assim, lá foi o compadre Armindo
Levar uma cachaporrada nos cornos
E isto - está vossemecê vendo,
Compadre Amâncio?-
Isto quando não havia necessidade nenhuma!...


Miki Sorraia

Debaixo do Bulcão poezine
Número 25 - Almada, Abril 2004

quinta-feira, abril 23, 2009

Comemorar o 25 de Abril com poesia, em Almada!

O MEU 25 DE ABRIL
em poucas palavras
Instalação de Poesia Colectiva


No dia 24 de Abril os cidadãos de Almada, e todos os outros, são convidados a passar pelo Forum Municipal Romeu Correia e escrever uma mensagem, em poucas palavras, sobre o seu 25 de Abril. Que, este ano, já faz 35 anos de vida. E de festa.

Forum Municipal Romeu Correia
Câmara Municipal de Almada
24 de Abril de 2009, das 10 às 18 horas

quarta-feira, abril 22, 2009

25 de Abril




Sensação inútil de desespero,
Faseada com doce loucura,
Intercalada com medo,
Num misto de êxtase e ternura.

Maldita hora em que o provei,
pois sonhei que o poderia domar.

Os corvos abandonaram-nos à chuva,
Na nossa troca de sorrisos e cumplicidades,
Sozinhos na multidão que festejava,
O início de uma nova era, de novas liberdades.

Atravessei o rio que nos separava,
Engoli em seco e avancei,
A responsabilidade,
O peso da desilusão,
Ardia por dentro,
Os sonhos de uma canção.

Amor/fulgor/sabor,
Caminha letargicamente depressa na minha direcção,
Amei-te sem receios,
Como os sonhos de uma canção.

Aniversário inocente,
Desta indescritível frustração,
Vem, pára, olha,
Em mim desabaram os sonhos de uma canção.

Mais uma pétala deste livro,
Que se desmembrou,
Caiu,
Na minha mão.


Jorge Ramalho

Debaixo do Bulcão poezine
Número 25 - Almada, Abril 2004

terça-feira, abril 14, 2009

O Silêncio de que fala Zé


Tudo começou por uma grande paixão pelas ilhas, a quem começámos a chamar “nossas”.
A história que vos vou contar passa-se em duas ilhas, longe daqui, longe, muito longe.
O tempo estava óptimo. Mais chuvinha, menos chuvinha, mas isso é normal.
Eu adoro andar de avião, não só pela sensação de ir, mas também pelas óptimas refeições servidas a bordo. Mas o melhor desta viagem não foi isso.
Lá há água, água, água. Para além do silêncio, é o que há lá mais. Tudo é bonito quando lá estamos e conseguimos sentir os pequenos pingos de água a caírem na nossa cabeça. Tudo se torna menos bonito quando nos lembramos que cá estamos a poupar cada pinga dessas.
As encostas, de onde cai essa água, metem respeito. Grande não é o maior homem do mundo. Grandes são aqueles montes polidos pela chuva.
Vaquinhas, vaquinhas, vaquinhas. Gostava de ser como elas. Ficar sentada a olhar...apenas a olhar...precisar apenas de erva para comer, daquele ar puro para respirar, e daquele barulho do silêncio para ouvir. Para quê o frenesim dos dias, a pressa de chegar ao emprego, o barulho dos carros, as idas ao supermercado, o dar de comer ao cão, de matar a cabeça com coisas sem importância? Para quê? Lá é assim, lá não há complicações, não há!
Agora que cá estou, tudo voltou o “normal” dos dias. Chegada de novo a casa. Lágrimas foram mandadas pelos ouvidos, ao ouvirem de novo o barulho do barulho.

Gostava de conseguir ouvir esse silêncio que lá se faz, aqui (de alguma forma parar o processo). Ainda consigo sentir o cheiro a erva, o ar limpo, as gotas de água, os pés molhados, o balançar do mar e o silêncio das montanhas. Mas o melhor desta viagem foi mesmo descobrir, finalmente, o silêncio de que fala Zé, Tal como som do silêncio de uma ventania, o som que se encerra na barriga de um gato que dorme, o som de uma lagarta que se transforma, de uma semente que germina, de um abraço eterno, o som das montanhas que falam umas com as outras.
Sim Zé, a vida é mesmo bonita...lá, lá é bonita sim.





Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009
(foto da autora)

segunda-feira, abril 13, 2009

depois de poe, veio murakami


“Acordei. Era de manhã cedo. Dei um longo bocejo, e no fim, soltei um som sumido. Abri as pálpebras lentamente, pestanejei duas ou três vezes e ergui o corpo. Bocejei novamente, desta vez sem som, escutando apenas o silêncio do quarto em que estava. Espreguicei-me com vagar, esticando todos os membros do meu corpo. Nenhum ficou ao acaso, não vá dar-se o caso de ficar algum por estalar. É que precisava de toda a mobilidade do corpo para continuar... Olhei em redor, primeiro para a esquerda e depois para a direita. Num ímpeto, saltei da cama. Voltei a olhar, desta vez para ver se estava lá alguém. Estranhamente estava só. Andei então calmamente até à casa de banho e, satisfeitas as necessidades, voltei a olhar em redor. Ninguém. Achei estranho e emiti um som, daqueles que esperam por um retorno. Nada. Se calhar ela tinha saído, para ir buscar o leite fresco à mercearia da esquina e, depois de dois dedos de conversa com o Sr. Vicente, lembrou-se de que ainda tinha de ir à loja de congelados comprar peixe. Deve ter sido isso: ela estava só atrasada. Entretanto, espreguicei-me uma outra vez e caminhei até à cozinha. A casa estava estranhamente escura. As persianas continuavam fechadas, embora, num dia normal, ela já as tivesse subido. Na cozinha procurei comida. Não vi os restos de ontem nem as novidades da manhã. Com fome, caminhei até à sala, tentando perceber o que se passava naquela casa, naquele dia, naquela manhã. Entrei na divisão e foi então que a vi. Ela estava deitada no chão, imóvel. Toquei-lhe no rosto; estava frio, gélido. No peito não vi qualquer movimento. Ela não respirava. Lambi-lhe o rosto e lacrimejei.”

O gato faminto mordeu, cuidadosamente, o corpo da mulher. Mordeu-lhe os dedos, as bochecas, a barriga, as coxas. E, enquanto o sangue escorria, o gato comia. Assim se alimentou até alguém ter dado pela falta da mulher.


Ângela Ribeiro

Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

quinta-feira, abril 09, 2009

Sobrevivência



Dá-me a tua mão e vem
não tenhas medo
porque eu levo-te ao bem,
levo-te p'ro caminho da esperança
não é aquilo que não tens.
Dou-te coragem p'ra lutar
contra os teus rivais,
o calor dos meus beijos
a fortaleza dos meus braços
e outras coisas mais.

Não vivas na ignorância
que essa vida te quer dar
não deixes que o desânimo
se apodere de ti,
dá-me a tua mão e vem:
não tenhas medo de mim.

Não queiras morrer à míngua
nem que o teu corpo apodreça
no vácuo do Ser.
Levanta-te, segue o meu caminho
e verás que mais tarde
hás-de vencer.


Poema de Artur Vaz
ilustração de Henry Mourato

(publicado pela primeira vez em Jornal de Almada,
16 de Maio de 1970)

Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

A causa das coisas




a maçã que eu encontrei hoje debaixo da cama
só lá foi parar porque eu a deixei cair
há dois dias atrás e me esqueci dela
até que hoje não sei porquê
espreitei para debaixo da cama
e lá estava ela a maçã que encontrei
hoje debaixo da cama.
é claro que se eu não tivesse espreitado
para debaixo da cama
a esta hora ela ainda lá estaria
a maçã que hoje eu encontrei debaixo da cama.
só não está lá ainda porque hoje
não sei porquê eu espreitei
para debaixo da cama e
a encontrei.
se eu não tivesse tirado de baixo da cama
a maçã que hoje encontrei debaixo da cama
a esta hora ela ainda lá estaria
por baixo da cama.
e isto é como tudo na vida.


António Vitorino
http://vitorinices.blogspot.com/

Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009



isto é muito fácil tirar
tabaco da máquina mesmo
quando tens de pedir para
carregarem no botão do “on”
é bom sermos burgueses
termos dinheiro para jantar na
cave
até parece uma canção do Veloso
mas não é…
ter dinheiro para comprar
uma casa
ou coragem para ocupar
uma herdade
ganas de mudar
sentir o mundo como
nosso
um projecto nosso…
a mudar
a transformar e viver
pisar com os pés todos
juntos formando circunferências
sobre o globo terrestre
com as mãos unidas
na unidade



BB Pásion

Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

Vocês nada têm a ver com isso
E não queria maçar-vos
mas gostaria que me enviassem
a vossa douta opinião
de qual a melhor maneira
de debelar a minha inquietação.

A toda a hora oiço falar
ser necessário ouvir os outros
dialogar fazê-los participativos
que é a melhor maneira de melhorar
a sociedade e a vida de todos
quer felizes quer aflitos


Participar não é fácil É preciso
desejar mas também ser desejado
Para ser partícipe sobretudo de uma causa
tem de ser-se activo Falar não basta
como não chega dizerem-lhe bem-vindo
ao nosso seio Se não estiver seco
o leite é para partilhar por todos

Confesso que estou confuso inquieto
ao participar-vos (comunicar-vos …)
que há quem me queira participativo
e parece não me deixar tomar parte
e muito menos ser parte associar-me
Ou seja sou participável sou
mas não sou parte Por partes gagas
de algum dos surdos apelativos arautos
da participação que a não propicia

Será da minha idade esta confusão
ou é real e necessária cá ao povão
desorientado com tanto aldrabão
Mandem-me a vossa séria opinião
Sendo simples e honesta a reflexão
é já uma boa maneira de participação
ou não? Ponto de interrogação!


Alexandre Castanheira

Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

terça-feira, abril 07, 2009


Pedro, escreve e nas suas pausas temporárias fuma cigarros,atrás uns dos outros, ao lado um cinzeiro..e os seus pensamentos ficam presos ,ecoam no silêncio perfumado extasiante da fumaça,o papel mistura-se com o cheiro do tabaco marboro.Será Ventil,será tabaco de enrolar? Os seus dedos amarelos escrevem ,solta palavras para exorcitar os seus demónios.Esquece-se de tudo, até dele mesmo. Os seus olhos são como um xamã que mergulha numa viagem à procura de si mesmo.O tempo passa ! O Horizonte é o carbono, os sonhos escapam-lhe pelas mãos.A cidade é frenética,o seu canto é um quarto escuro à parte de todos.É no fumo que tudo parece verdadeiro , é no fumo que ele encontra um mundo possível dentro deste que vivemos no presente, que explora as suas histórias intensas. É ali que encontra os seus melhores momentos de inspiração no acender do cigarro até ao seu fim.

( Pedro_Personagem do seu próprio monólogo - o escritor poeta urbano depressivo, decadente)



Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

Olhares saudosos




No círculo dos encontros
Surpresas abandonadas
No vazio das lembranças
Ecoam encantadas

Vultos dos passados
Perpassam na memória
Celebrando sentados
A presença da História


Eloísa Menezes Pereira

Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

segunda-feira, abril 06, 2009

do homem que me persegue e da vida:


I
De mãe Mãe, pai operário, José Mãe Homem nasceu cedo e em Dezembro numa casa que tinha uma porta que dava para o Éden.
O Zé, comeu tantas maçãs, tantas as suficientes para se libertar dos conceitos do Bem e do Mal e partiu a cavalo da Serpente. Para onde?! – Quem sabe!?... Ouviu-se falar que discutiu com a família as leis do povo e a Terra Prometida e partiu…
A TV não disse mas fala-se por aí que, José Mãe Homem, morreu cedo e em Dezembro com o último tiro de uma grande batalha.
Muito mais que a Nação sofre a mãe, viúva, que diz às pessoas quando passa por elas:
- Tal como o pai, foi Homem, depois… morreu!...
- Quem foi esse Homem de que a Mãe nos fala, cuja vida e morte não se aprendem na escola?!
José Mãe Homem, cedo e em Dezembro:



II

“……………………….”
Louco descabido!
Um dia a vida bateu à porta do teu Nada, foste à escola.
Mais tarde, tudo bateu à porta da tua Vida, foste ao estádio!
Do lindo berço azul que defecaste, ficaste tu:
Cristão, ateu, pervertido e castrado, conformado
Com os males da Terra e com o caminho
Que a mãe sonhou para ti!
Descansa, que a morte virá no dia exacto,
Tal qual um dia nasceste em Dezembro!....



Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

Razões do Coração




Eu sei que é bastante fácil, dizer num poema,
Que nos sentimos palestinianos do coração
Por termos a sorte de estar longe do dilema,
Por nem precisarmos de saber o lado da razão

Não escutamos os obuses e as balas no ar
Tomamos partido, seguindo o que diz o coração
Muitas vezes esquecemo-nos de pensar,
Que no Médio Oriente, não vale de nada ter razão

Todos eles dizem que sim e que não,
É por isso que continuam em guerra
Matando sem qualquer contemplação
Gente que apenas quer ter paz na Terra

Esquecem e ignoram a maioria silenciosa
De ambos os lados, que continua a sonhar
Com a paz, distante da gente orgulhosa
Que esqueceu o significado da palavra amar

Eu sei que é bastante fácil, dizer num poema,
Que nos sentimos palestinianos do coração
Por termos a sorte de estar longe do dilema,
Por nem precisarmos de saber o lado da razão



Luís Milheiro
http://casariodoginjal.blogspot.com/

Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

Pássaro da noite





Os poetas são homens solitários
numa solidão que mata devagar.
São mendigos de amor e de amizades
são mensageiros de ideias
são pássaros da noite.

Criam alentos de esperança
em pasmos de emoções
sofredores moribundos
das palavras.

Pássaro da noite
não quero ouvir
os teus passos
no tecto da minha solidão.


Maneta Alhinho

Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

sábado, abril 04, 2009

Resumo



Pulso a pulso
E por dentro só
Quase rebento
O hermético nó
Que lavra o ergo cogito
D´ entrudo

Oco e avulso
Despido e rouco
Sol branco
Um frio tão pouco
Remeto a palavra
Ao somatório de tudo

Cantando melhor
Sob os mantos que sobram
Ouve-se ao longe o som da vida



Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

sexta-feira, abril 03, 2009

Sem dizer adeus





Toldam-se-me os sentidos
Encurralados no silêncio da sua ausência.

Faltam-me as palavras
(Sinto-as presas entre os dedos)
Quero, mas não consigo,
Expressar a dor que sinto.

Escrever nunca me pareceu tão difícil...

Misturam-se as lembranças
Entre as sílabas destes versos
Memórias que encontro dispersas
Embaladas no seu sorriso
Que recordo com saudade.

Lamento não lhe ter dito adeus
Antes da viagem final
(ai tanta coisa deixei por dizer!)
Por isso daqui lhe envio,
Em jeito de perdão,
Um abraço forte e sincero
Neste poema embalado...

Até sempre amiga,
Poetisa de sonhos e emoções
Companheira da Poesia Vadia.


(evocação da poetisa Anyana, falecida recentemente)

Minda
Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

quinta-feira, abril 02, 2009

À criada de Marcel Proust




Ao abrir a porta do quarto
Celeste, criada, não calcularia nunca
Que seria como trancar o criador
No seu tugúrio a sete chaves
Curioso como dali em diante
Passariam a dar acesso
Aos mais obscuros recantos da alma

(Quando regurgitadas)


Mário Lisboa Duarte
http://margemdarte.blogspot.com/

Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

Alguns dos nossos sonhos transportam-nos a situações estranhas…
Nos sonhos não somos verdadeiramente nós!

Ao espiritismo não se pode pedir mais do que ele pode dar.
Nem buscar nele outro fim senão o providencial.
O espiritismo destroça os adivinhos, feiticeiros e ledores em busca de qualquer dica.
Quem pensa, que pode levantar a porta do véu desenvolvendo a inteligência, só alarga um círculo de ideias, mas nunca consegue penetrar nas leis da natureza. Há quem prenuncie ideias espirituais e capazes de perturbar as suas capacidades mentais.
Todas as grandes preocupações do espírito podem ocasionar a loucura.
A loucura tem por principio um estado patológico no cérebro; pode desorganizar o cérebro e alterar o raciocínio, com efeito consecutivo de uma predisposição orgânica que nos inerte certas impressões…
O que nos faz perder o juízo sobre a influência mais insignificante (predisposição super-excitante) do mau carácter que se convertera numa ideia fixa, que não passa de uma loucura, ou de uma obsessão: - não procede de nenhuma lesão cerebral, mas de uma subjugação exercida pelo espírito ou por outra enfermidade.
Este malévolo estado começa a estar na moda e abre caminhos nas mais elevadas esferas da sociedade onde as decepções, desgraças, e amores contraditórios, são os seus adversários.
Quando se murmura de desespero, provoca-se a emoção violenta que abreviam as horas os dias e as reflexões, e resigna a uma convicção considerável



Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

Tempos Mortos e Nulos




Com uma espinha de peixe
atravessada na alma
vivendo agarrado ao vazio
com todos os dedos
condenado a morrer
sozinho na vertigem
da espiral sem fundo
esquecida nas trevas
à procura de mim próprio
num rio salobro de lágrimas
sempre a mesma imagem
distorcida de um sonho
reflectida no espelho
de outro sonho
como um fantasma vagueando
sem rumo nesta casa de infâmias
na qual nunca dormiu
uma pessoa feliz...



Vang!
2008

Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

Desejo





Desejo, Sombra da Racionalidade
que persegue o Homem.
faz da Humanidade um poço de desespero,
e da Terra um paraíso.

Desejo, sombra do Pensamento
que se move pelo espaço
que cada um Imagina
mas não sabe que é Infinito.

Desejo, Sombra dos Homens
tão fatal, como o Destino
tão vital como a água
tão animal, como o Instinto.


Violeta

Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009

quarta-feira, abril 01, 2009

Debaixo do Bulcão poezine 35, Março 2009: editorial

O poezine dos jovens dos 14 aos 81 anos!




Quando eu era pequenino, havia uma publicação de histórias em quadrinhos que se apresentava como "a revista dos jovens dos 7 aos 77 anos" - era, passe a publicidade, o Tintin.

Ora, isso acontecia quando eu era pequenino. Nos anos setenta (do século passado)!

Nesse tempo, em Portugal, andava toda a gente muito ocupada com o futuro do país. Ninguém se preocupava muito com a poesia - a menos que a poesia fosse, como a cantiga, uma arma!

E a poesia era, de facto, uma arma: estava na rua; era mais acção e menos palavra!

Foi preciso esperar pelos anos 80 - por esses anos 80 que, contrariamente ao mito hodierno, não foram de euforia, mas sim de desemprego, despedimentos colectivos e outras tristezas que, citando (algo abusivamente) a grande Sophia de Mello Breyner Andresen, "não podem sequer ser bem descritas" - para que a poesia "renascesse". Foi então, a meio dessa "mítica" década, que começaram a proliferar as publicações de poesia em formato fanzineiro. Muito inspirados - e apoiados - pelo não menos mítico DN-Jovem (suplemento literário do Diário de Notícias), apareceram fanzines literários, muitos e diversificados. A memória já me vai falhando, mas, ainda assim, consigo lembrar-me de dois deles: o Ara Gris e o Fragas (este último publicado no Seixal por um grupo chamado Projecto Poros).

Foram-se os anos 80, o pessoal dedicou-se a coisas mais próprias de gente adulta, e eu fiquei, como sempre, sem vontade de fazer coisas de gente adulta - logo, sem mais contacto com "o pessoal". Com esse "pessoal"...
Por sorte, abriu nessa altura - em 1989 - o Ponto de Encontro (a também mítica Casa Municipal da Juventude de Cacilhas). E foi lá que, entre muitas noitadas, muitos copos, muita música, teatro e outras actividades mais ou menos artísticas e culturais, conheci as pessoas que me incentivaram a criar o Debaixo do Bulcão.
Em primeiro lugar, o Tó Boieiro (o tal que, nos intervalos dos recitais que fazia, se queixava que "a poesia está morta, ninguém publica, e ainda dizem que somos um país de poetas!"). Depois, o José João Mota. E também o Pedro Morgado, que organizava a Feira do Fanzine.

Já em 1996, lá me decidi a falar com eles e realizar o projecto Debaixo do Bulcão. (A propósito, e para que ninguém se melindre: estou muito grato a todos os que me ajudaram a arrancar com este projecto e a mantê-lo - mas não os vou nomear, por falta de espaço. Ok?).

Debaixo do Bulcão que, num primeiro momento, pretendia publicar, em edição alternativa, textos de jovens poetas. Mas que, a partir do segundo momento (ou do terceiro, sei lá), entendeu que o importante era publicar, em edição alternativa, quem não o conseguia fazer pelos meios convencionais - jovem ou menos jovem, isso deixou de interessar.

Como é bom de ver, o Debaixo do Bulcão assume-se como herdeiro da literatura fanzineira portuguesa dos anos 80. E, durante quase uma década em que praticamente deixaram de se fazer estas edições alternativas de poesia, resistiu, publicou algumas centenas de autores, e fez a ponte para o que, em Almada, havia de vir depois, e para o que existe agora.

No princípio deste século 21, Ermelinda Toscano publicou a antologia Alma(da) Nossa Terra, na qual incluiu uma boa dose de poemas editados anteriormente no Debaixo do Bulcão. E essa antologia foi o ponto de partida para o projecto Poetas Almadenses
(http://poetas-almadenses.blogspot.com/) - que alcançou, com muito mérito, patamares nunca antes acessíveis a este projecto bulcânico.

Já em 2009 surge o movimento Jovens Poetas Vadios, com um projecto mais ambicioso (http://jovenspoetasvadios.blogspot.com/). Fico muito contente: as ideias que eles defendem agradam-me muito, identifico-me facilmente com as suas ambições e, por isso mesmo, desejo-lhes os maiores sucessos.

Temos pois, nesta cidade de Almada, três projectos empenhados na divulgação de poesia: Debaixo do Bulcão, Poetas Almadenses e Jovens Poetas Vadios (por ordem de entrada em cena). Orgulhemo-nos disso!

O Debaixo do Bulcão promete continuar a contribuir para divulgar a poesia que anda por aí, perdida, esquecida ou simplesmente envergonhada. E, cumprindo a sua actual vocação de publicar jovens e menos jovens, tem, na presente edição, poetas dos 14 aos 81 anos!

Como em quase todas as edições anteriores, há novidades, regressos e continuidade. Novidades: três autores que, embora com obra publicada noutros locais, colaboram pela primeira vez com este poezine. São eles, João Rato (do blogue reidosleittoes.blogspot.com), Maneta Alhinho, (jornalista - até há pouco tempo meu colega na redacção do Notícias da Zona - e guionista em séries de televisão) e Artur Vaz (investigador de História local, dirigente da associação cultural Ecos D'Art e colaborador assíduo de órgãos de comunicação social - que, aliás, conheci em 1995, no quinzenário Sul Expresso, onde ambos escrevíamos, e que enviou para esta edição o primeiro poema que publicou, em 1970, no Jornal de Almada).

Outra novidade, e não menor: Marina Soares, uma das criadoras do inovador grafismo da revista P'Almada, aceitou o desafio de fazer uma edição como esta, em formato assumidamente fanzineiro, impressa em fotocópia. O resultado é este. Mais palavras para quê?

Só se for para dizer que - embora já não seja novidade - orgulho-me, também, de ter nesta edição mais um poema de Alexandre Castanheira (homem que tem dedicado parte substancial da sua actividade à descoberta de jovens talentos - e eu que o diga, pois foi ele, o Castanheira, quem, no final de uma sessão de poesia, em 1981, me "descobriu" e incentivou a continuar).

Tenho muito gosto em ver, nas páginas deste poezine, todos os textos de todos os poetas que nele quiseram participar.

Agradeço a Ermelinda Toscano (dos Poetas Almadenses e da SCALA - Sociedade Cultural de Artes e Letras de Almada) o inestimável apoio que tem dado a estas edições.

Mas tenho a maior satisfação por ter, neste número, mais um texto de uma jovem autora, de 14 anos. Não digo quem é (descubram vocês). Mas garanto-vos que é por isto mesmo que o Debaixo do Bulcão continua a fazer sentido. Não já por ser (como foi em 1996) a voz dos jovens que querem publicar mas não têm onde - mas porque (em 2009) é um poezine que publica (desculpem lá, mas não resisto a reafirmá-lo) autores dos 14 aos 81 anos!

E é isso mesmo que vamos continuar a fazer!

António Vitorino
(editor)

Colaboram nesta edição: Marina Soares (grafismo), Ângela Ribeiro, Artur Vaz, António Vitorino, BB Pásion, Alexandre Castanheira, Eloísa Menezes Pereira, Helga Rodrigues, João Rato, Maneta Alhinho, Luís Milheiro, Marta Tavares, Miguel Nuno, Minda, Mário Lisboa Duarte, Pedro Alves Fernandes, Vang, Violeta (textos).