terça-feira, julho 31, 2007

Viagem

Sou a semente germinada na terra
rasgada com a seiva do Amor

Viajei nas asas do vento, pela galáxia da vida
e repousei no horizonte do futuro

Saciei-me nas águas calmas do tempo
alimentei-me dos sonhos ainda por viver

Cresci por entre nuvens cinzentas
e cobri-me com o sol doirado do Amor

Nos meus ombros, coloquei o suave manto da alegria...
...e de novo segui viagem

nas asas do vento
até ao infinito



Maria de Lurdes Ferreira
Debaixo do Bulcão poezine
Número 10 - Almada, Setembro 1998

(Homenagem a esta poetisa, no dia do seu 67º aniversário...)

domingo, julho 29, 2007

Dúvida metódica...

...ou discurso do Velho do Restelo ao investigador científico


agora que descobriste a molécula
tens a certeza que descobriste a molécula?
eu sei que és sagaz
mas pensas que os teus olhos nunca te enganam?
descobriste o cristal, mereces o prémio nobel
mas tens a certeza que descobriste o cristal?
sim descobriste
mas sabes o que vive dentro daquilo que descobriste?
tens a certeza?
por dentro
viste?

António Vitorino

Debaixo do Bulcão poezine - número 18 - Almada Junho 2002

atlântico

onde todos os mares se rendem

e as vagas se acalmam...
onde se esboçam esperanças, e se
perdem angústias.
onde o céu combina com o mar
em perfeito bailado, pincelado
a tons de azul...


onde nos perdemos e encontramos
sem sairmos daqui...

onde cada verdade nasce
no cimo de uma onda
que esbate, na praia, tons de espuma...


onde cada dia é dia de te ter,
de te amar, de te querer
como se fosse o primeiro dia...


onde tudo começa e acaba
sem que o começo seja o fim. e o fim...
o princípio de nada.

onde nasce o poeta que dá,
à vida, o seu poema.


Quim Gouveia

Debaixo do Bulcão poezine
Número 18 - Almada, Junho 2002

Água doce








Fontes sagradas
explodem
das veias da Terra.
Minhas lágrimas doces
escorrem pelos dedos
das montanhas
e têm os pingos conspurcados
pelos braços das cidades...
Voltarei algum dia
a ser cristalina
no fundo do teu olhar?
Poderei entregar-me sem nódoas ao mar
e doar-lhe a doçura em seu leito de sal?

Registro na FBN/EDA
Mais poesia (e prosa...) desta autora, no blog
por quando enquanto
vives/morres
tua sombra se expande e sobrepõe
aquém do sonho e anos trespassados
além do sexo em sangue em carne urdido
da clausura hiperbólica da verdade
por virtude vir tudo à tona na
tonalidade parada dos olhos por anos
já toldados

e em vão recomeças o silêncio
a obra suposta que se esgueira
pela fresta da infância que se afasta

joão vasco henriques








Debaixo do Bulcão poezine
número 26 - Almada, Junho 2004

terça-feira, julho 24, 2007

Assim assim



Estou ainda quase assim assim...
Filete de neurose, omelete de drama
E se nos esquecermos de ti, avisamos,
quando nos lembrarmos...
Estou no ponto a picar o ponto.
Beber cascalho e fumar goladas.
Comer Nestum e dizer piadas.
Morrer à sede e não matar nada.

Mas quero poder decidir
sem que ninguém comente,
o comentário comedido,
pensado duas vezes quatro,
antes de ser tabulado,
na tábua do que foi dito,
está tanta certeza destruída e
tanta mentira vencida.

No dito e desdito, esses actos calibrados,
que são como manchas de óleo no alcatrão,
ou pinceladas nos quadros.
Insuportável peso de ser,
Ser a haver no dever...

Diz-me que é bom demais para se controlar.
Diz-me que não é verdade, mesmo que seja.
Diz-me qualquer coisa que eu oiça.
Diz-me que largas os teus dias
para abraçares as minhas horas.
Diz-me que o amor não é só quatro letras...

João Gomes
Debaixo do Bulcão poezine
número 22 - Almada, Junho 2003

segunda-feira, julho 23, 2007

Força de luz



Mais que o sangue
da vida,
recebo uma troca de
orgulho inchado,
e retorno vazio, como as
palavras malditas que
choram na miséria do
inacabado penar.
Fico suspenso num
espaço oco, numa real
idade do gelo arrefeço
as íris para resistir ao
vento forte que assobia
arrepios
e solto-me nas vozes
gritantes que me
apertam o peito.

Gabriel
Debaixo do Bulcão poezine
número 4 - Almada, Julho 1997

Dúvida

Quando amanhecer
Quero estar acordada
Do sono profundo
Que não dormi...
Quando amanhecer
Quero estar lá...
Onde sempre quis
E não quis estar!
Quero correr sobre o mar
E nadar nas dunas,
Embebedar o cabelo de areia
E sentir o cheiro da maresia.
Quero estar lá,
E não quero!
Só sei que quero,
Ficar perdida numa chuva de estrelas
E admirar reflexos de luar...
Quero.
Ou se calhar nem quero!
Mas amanhã
Quando acordar,
Sei que vou querer saber!


Ana Silva


Debaixo do Bulcão poezine
número 4 Almada, Julho 1997

O vinho dos enforcados

Corre o vinho dos enforcados, ele não cessa de correr...
Vinho esse tão amado por uns, tão rejeitado por outros, tão criticado...
Tanta ambição... tanta...
Para quê?
Para quê, tanta rejeição, tanta crítica...?
Somente isso...
Eles não se perderam... não...
Libertaram-se... só se libertaram...
Já de nada servem os longos caminhos, as ruelas...
Sempre os mesmos... sempre...
Sim... ele tentou comunicar comigo... tentou...
Os mesmos olhos, a mesma expressão, tão terna... tão triste...
Olhos esses... tão meigos...
Quando os voltarei a encontrar...?
Onde...?
Hoje, bebo aos meus amores...
Hoje mesmo... talvez... eles bebam a mim...
Ambos... bebemos aos nossos amores...
Talvez... te possa prometer... talvez... que não me vou perder... somente libertar...!!!
Mas... hoje... bebo aos meus amores...!!!


Lélé






Debaixo do Bulcão poezine
número 4 - Almada, Julho 1997

sábado, julho 21, 2007

a casa do bairro
onde agora habitam
dois camelos
eles bebem a água da mesma vasilha
que encontraram no oásis
(e que encheram)
aquela água
que levaram para
morar na casa onde agora habitam

BB Pásion




Foto: Rui Tavares



o apartamento
é um compacto rectilíneo
que suporta haveres
homens comprimidos
ligados por um cordão
que lhes diz que é
a algema famélica
que os engole no seu estômago de aço

BB Pásion

Debaixo do Bulcão poezine
número 30 - Almada, Julho 2007

terça-feira, julho 17, 2007



Poema de
Alexandre Castanheira
em Debaixo do Bulcão poezine
edição 30 - Almada, Julho 2007
(páginas centrais)

sexta-feira, julho 13, 2007

Poema amarelo light



Um poema amarelo
tem de rimar
obrigatoriamente
com caramelo. Isto
na perspectiva idiota
do poeta idiota como uma frota
que sou eu.

Amarelo é a cor dos dentes
de quem fuma e não só. Os meus são verdes
porque fumo erva mas não dessa.
A que eu prefiro é a do estádio nacional
porque é pouco pisada, não sabe mal,
e provoca uma risada
contida
mas integral.

Amarelo é a cor dos que não fazem
greve. Os outros são vermelhos e sabem
quem foi o brejnev.

Amarelo é a cor do Verão
quando não chove
e a cor do Inverno quando faz sol.

Amarelo sou eu:
o berrante, o chato,
o irritante. Aquele que escreve poesia
como quem mata um elefante.

Jorge Feliciano
(um dos "criadores" da Festa Amarela)
poema publicado no Debaixo do Bulcão especial
para a primeira edição da festa
em Julho de 2001

Ver mais informação sobre o evento em:
Almada Cultural
Coisitas do Vitorino
As Fotos do Bulcão!
Câmara Municipal de Almada

Vox Pop

Há festa nos passos.
Sob os pés de vinho tinto dançando
Ninguém repara
No caminho de papéis sujos já gasto,
Guardanapos ainda a saber a bifana,
Nos copos de plástico partido
(nem no chão cheio de beatas que não vão ao Domingo à missa)
- há festa nos passos...!

Na face da gente vê-se o motivo
Para tanta algazarra -
A hora celebra-se
Porque essa é a ordem
(Já estamos em Julho de novo,
Festejar a honra dos mortos é preciso
Que quem cá ainda ainda tem tempo).

Há festa nos passos,
Algo cresce em mim nesta alegria pagã,
Sinto o cheiro do Amor a subir ao Céu
E dou por mim de braços abertos a cantar...

Há festa nos passos,
Para quê fazer da memória um fardo
Se os pés ainda obedecem quando começa o Cha Cha Cha?


Gabriel 2001




(neste caso, o seu alter ego, Miguel Nuno
fotografado por António Vitorino,
durante uma edição da Festa Amarela,
no Centro Cultural Juvenil de Santo Amaro,
Laranjeiro - Almada)

Diversos tons de amarelo

Brotam flores no campo,
Mesclado de vermelho, laranja e amarelo,
De tons de verde e castanho da terra

Lá no cimo brilha o sol
Raiando o azul do céu de diversos tons de amarelo

Espelhados no azul do mar,
Atmosfera amena,
Deitada nas areias finas da praia
Vindas do deserto
Enviadas pelo vento

A amabilidade da natureza
Em sorrir-nos desta forma
Espelha o sorriso de uma criança

Uma simplicidade,
Honestidade,
Fraternidade

Quem me dera o sabor de uma tal harmonia
Tão rara quase esquecida!


Ana Monteiro


em Debaixo do Bulcão poezine
edição especial para
a primeira Festa Amarela,
realizada no Centro Cultural Juvenil de Santo Amaro
(conhecido como Casa Amarela)
em Julho de 2001

sexta-feira, julho 06, 2007

Festival de Teatro de Almada (4 a 18 de Julho)

«O conjunto de espectáculos que em 2007 se oferece ao público, na diversidade das respectivas propostas, traduz uma visão a um tempo alargada e profunda do estado actual do teatro e das diferentes formas de questionamento do Mundo em que ele se situa e com o qual se confronta. Mas é o resultado, também, por outro lado, de uma rara confluência de valores estéticos, sem os quais a intervenção artística não pode atingir verdadeiramente a desejada funcionalidade social.

Muitas das realizações deste ano abordam o problema da relação entre o indivíduo e o colectivo. Uma sociedade feliz não pode existir sem indivíduos felizes. Mas pode um indivíduo ser feliz no seio da infelicidade geral? Esta é a questão. Em termos de tragédia ou de comédia, a partir da seiva inesgotável de Ésquilo, Eurípedes, Shakespeare ou Tchecov, das sibilinas e impiedosas reflexões de Swift, ou com o recurso a novas linguagens, inovadoras das estruturas narrativas, e até ao texto que a técnica do clown escreve sem palavras, o que, no teatro que este ano vamos ver, todos os artistas procuram é ajudar-nos a reflectir sobre esta questão central. O indivíduo, como a personagem de Sizwe Banzi est mort que, no contexto do apartheid e das townships pergunta "O que é que se passa com este mundo de merda? O que é que querem de mim? O que é que eu tenho de mal?", está, numa sociedade ironicamente construída com o pretexto dos seus direitos legítimos, isolado e confuso.

O teatro, bem entendido, não nos dá as respostas de que precisaríamos. Mas faz-nos reflectir.
A liberdade, que é a própria natureza do teatro, convoca-nos à celebração do pensamento e à inquietude.»

Joaquim Benite, director do Festival de Almada
(Informações sobre o evento no site da
Companhia de Teatro de Almada:

http://www.ctalmada.pt/)

quinta-feira, julho 05, 2007



«Hoje mergulhei as águas de Neptuno, lentamente pestanejei, e vi algo ondulante, parecia uma pena levada pelo vento, seguia sem pressa, movida a três tempos como as valsas do mar, torneava ora para um lado ora para outro, devagarinho, quase a roçar um peixito imprudente, e lá ia ela, sem grande preocupação quanto ao seu destino.

Senti que aquela coisa me pertencia, e corri chorando, o meu corpo molhado, bracejei com toda a força que tinha, aí, ela ria de mim, ondulando bailarina, ondulando atrevida, acho que lhe vi um sorriso irónico, estava a fazer pouco de mim! Depurado o meu cansaço, ansiei, mas segui-lhe o rasto alvo, de mão estendida disse-lhe alto!

Tu és minha, não fujas de mim, eu sem ti não sou nada, estou perdida...volta!

«Está bem, eu estou aqui»

Agarrei a minha alma e adormeci.»

Leo 2005
em Debaixo do Bulcão poezine
nº 30 - Almada, Junho 2007

Da autora:
Por Um Mundo Melhor Kuanto Baste
Fotolog

quarta-feira, julho 04, 2007

Que mais...

Que mais...

Resta a palavra nua
o predicado acomodado,
o verbo por conhecer,
alimento precário,
substantivo aleanado.
Fénix anilhada
ilusão de liberdade mental.

Que mais...

Trinta gramas de mim
Taje Mahal em derrocada
pira fúnebre incendiando o Tejo
Rituais sem sentido,
sentido de ritual perdido.

Que mais...

A lua na palma da mão
e um céu carregado no peito.
Sonegar o sono e sonambulo
deambular pela vida.

Que mais..

Viajante mendigo da palavra
inimigo feroz.
Atrocidade nascida de
um coito mal parido

Que mais...

A esperança numa prisão
de chagas em caminhos
de neon e vias lácteas
cinematográficas.

Que mais...

Mais um pouco
mais dois passos para trás
de olhar fixo,
vitreos olhos de alma aberta,
correntes de ouro na mente
e espezinhando sonhos o
infinito grita

Que mais...

Mais um poema sem valor.
Não existem sonetos de amor
só alarmes de desejo
alertando a solidão
A solidão viola
A solidão medita
A solidão escreve
A solidão aclama

Que mais...

A sanidade vendida
em embalagens farmacéuticas.
A abolição da vontade
a liberdade na instituição
bancária mais próxima de si.

Que mais...



António Boieiro
(foto do blog
Poetas Almadenses)

publicado em Debaixo do Bulcão poezine
número 30 - Almada, Junho 2007

terça-feira, julho 03, 2007

Novo blog: Almada Cultural

É o mais recente blog da casa. Chama-se Almada Cultural, tem por objectivo (óbvio...) divulgar actividades culturais de Almada (e arredores) e as pessoas que as promovem, realizam, dinamizam...
Encontram por lá informação sobre o Festival de Teatro de Almada (edição actual e uma entrevista de 1996 com Joaquim Benite); "Shakespeare Revisitado", pelo Teatro do Oprimido de Lisboa; e o convite para o lançamento do novo livro de Alexandre Castanheira.
Em breve, no mesmo espaço, entrevista com Ermelinda Toscano (dinamizadora das sessões de poesia vadia no café Sabor & Art, em Cacilhas).

almada-cultural.blogspot.com