quarta-feira, novembro 15, 2006

A MINHA CONFISSÃOZITA


Confesso: esta mania de querer ser editor é uma coisa antiga e muito muito feia, que já nasceu torta e, como tal, não será agora que se vai endireitar.

Eu conto como foi.

Quando eu era um jovenzinho, aí por meados dos anos 80, tentei publicar poemas de minha autoria no DN Jovem, esse inesgotável manancial de escritores frustrados (sim, ok, eu também tentei publicar no DN Jovem). Mas eu escrevia coisas que não se enquadravam minimamente naquilo que, para os editores desse suplemento eventualmente literário, era o aceitável em termos de "qualidade", E o aceitável era: os pássaros (da então emergente "liberdade" neo-liberal) abrindo as suas esplendorosas asas e voando (óbvia alusão a qualquer coisa sexual, dizem os freudianos) no imaculado e/ou atormentado azul e/ou cinzento chumbo do céu (da poesia, claro...), etc etc etc.
Portanto, quando eu enviava textos com títulos como Protopoético-Cosmogonia (que, a propósito, foi publicado no Debaixo do Bulcão nº 11, Dezembro 1998), ou versos como nítido, o pássaro / explode em consequência do contacto com a bala, sabia de antemão que
a) não seriam publicados
b) receberia a inevitável resposta "lê bons autores (por exemplo Fernando Pessoa" ... ou a sua multidão de heterónimos).

Ora, isto que me faziam (e a todos cujos textos não se encaixavam nos apertadíssimos critérios de selecção do DN Jovem) é algo de extremamente cruel.
É como ter um bébé na incubadora e aparecer a família para lhe dar porrada.
É como deitar o menino guerreiro fora com a água do banho.
É como... bem, acho que vocês já perceberam.

Então, cheio de frustração e revolta por não ver reconhecido o meu talento, resolvi vingar-me.
Eu, manchado pelo suor da luta,

sob um sol vermelho de sangue, levantei o punho ao céu e,
chorando lágrimas amargas, jurei então que, a partir desse exacto momento,
custasse o que custasse, NUNCA MAIS iria ver um único dos meus poemas recusados por um qualquer editorzeco. Porque eu, sim eu próprio, me encarregaria de os públicar!

Agora, publicar como? Uma edição de autor?
Podia ser uma ideia, pois. Mas acontece que eu, além de ter outros defeitos, maleitas e malformações, contraí também o bicho dos fanzines, ai de mim...

Um fanzine seria, portanto.
Como se tratava de um fanzine de poesia esteve inicialmente para se chamar apenas Poezine (garanto-vos que, até então, não tinha encontrado essa palavra em lado nenhum, três pontos para mim). Mas... e que tal dar-lhe um nome mais literário assim tipo sei lá olha pode ser Debaixo do Bulcão...?... Debaixo do Bulcão ficou, e pronto.
E pronto?
Népia. Havia ainda mais uma pequenina questão a resolver. É que, como já disse eu queria um fanzine mesmo a sério e não uma edição de autor.

Decidi então convidar mais alguns autores excluídos (hoje talvez já incluídos, mas isso é outra conversa) dos círculos bem-pensantes da "nossa praça" (nossa praça era como se dizia quando eu era novo). A seguir - sequência lógica - abrir as páginas do Bulcão a quem nele quisesse participar. Isto sem qualquer critério "literário" de selecção de textos: a ideia é mesmo respeitar a vontade de cada um a expressar-se poeticamente, ficando a noção de "isto é ou não poético" a cargo (e à responsabilidade) do autor.

Há quem cresça (literariamente) a escrever para as gavetas. Mas muitos outros precisam de confrontar a sua criatividade com a opinião crítica dos leitores. Eu faço parte deste lote.
Há também quem depois de publicar desista de escrever - porque julga que não está ainda à altura do empreendimento ou simplesmente porque descobre que afinal não era aquela a sua vocação. Mas, se não tivesse experimentado, valeria a pena alimentar ilusões? Ou simplesmente desistir sem ter experimentado?

"Melhor é experimentá-lo que julgá-lo
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo"

, dizia o grande zarolho.

Trata-se, enfim, de entender aquilo que os DN Jovens deste mundo não conseguem, não podem ou não querem:
que a poesia pode ser a expressão das mais legítimas e singulares angústias existenciais, dos júbilos mais doces ou agrestes, de firmes convicções políticas, de enlevados narcisismos, de agudas farpas sociais, de tanta coisa que agora nem sequer me passa por esta pobre cabecinha, ou simplesmente da inefável tristeza que sempre acontece
porque tu não estás sempre ao meu laduuuuuu
e
sem ti não há mais nada!!!!!!!!!!

E pronto, agora é que vai ser.

Se me dão licença, agora vou saciar a minha fome compilatória. É que o bulcão não saía desde Dezembro de 2004. É muito tempo sem compilar! Imaginam o que isso custa?
Assim mal comparado diz que é como afogar um gato fedorento no seu próprio vómito.


António Vitorino

PS: Não acreditem em tudo o que aqui leram. A história do Bulcão está sempre a ser reescrita, sabe-se lá com que inconfessáveis intenções. Mas pode ser que, algum dia, alguém conte toda a verdade...

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